Crepúsculo
Ela saiu animada do trabalho no
fim daquela tarde. Ia finalmente ter um encontro com o seu cabeleireiro.
Agendara o seu horário com quase dois meses de antecedência. Após extenuantes pesquisas
de looks de famosas e da observação
atenta de madeixas de mulheres comuns que circulavam nos mesmos ambientes que
ela, até a coleção de fotos ilustrativas que levaria no grande dia. Era
finalzinho de uma tarde de inverno, o céu sem nuvens deixava entrever que o
crepúsculo já se anunciava. Deixou a sala com o pensamento de que iria
recuperar a sua força e energia vitais, bem ao contrário do que acontecera com
Sansão, o Fortão. No caso dele que enfraquecia sem as madeixas abundantes; para
ela, cortá-las eram estímulo e renovação. Assim, confiante e destemida, foi ao
encontro do seu ‘hair stylist’, hashtag: #partiuforçacapilar!
Fonte: http://www.cygnuscosmeticos.com.br/cabelos/tudo-sobre-hidratacao-capilar |
Lua Nova
Bem sabemos que para as mulheres
cortar os cabelos não poderá jamais ser considerado um ato corriqueiro e banal,
mas um evento, uma transição, um quase ritual de passagem, do qual e para o
qual toda energia, expectativa e atenção são destinadas e extraídas durante
longo tempo. Mudar os cabelos pode implicar em rompimentos com padrões de
comportamento e até de relacionamentos, pode representar um ato revolucionário,
desafiador e de coragem extrema. Mexa com os cabelos de uma mulher e descubra
quantas feras podem surgir mágica e repentinamente à sua frente. Mas, antes de
decidir é muito importante saber qual é a configuração dela. Da lua. Era
exatamente a transição da lua cheia para a lua minguante, rumo à promissora lua
nova. Saibam que a lua tem peso determinante na hora de permitir passar a
tesoura nos fios. Tudo a ver com as cheias dos rios e o movimento das marés.
Afinal de contas, uma mulher não é apenas uma mulher, meus caros, é um complexo
exemplar que congrega em si todas as manifestações da natureza. A lua, portanto
não era nova. Mas caminhava para nova. E ela finalmente chegara ao cabeleireiro.
Eclipse
Tudo ia muito bem até o momento
em que o seu preferido, o eleito, o único que poderia manejar os preciosos fios
de sua cabeça diz a seguinte frase: senta aqui que ELA vai te atender. ‘Como
assim’? ‘Quem é essa’? ‘Quem vai mexer nos meus cabelos’? ‘Você está louco’? Tudo
isso expresso apenas em pensamento nas primeiras frações de frações de
segundos. A fala mesmo é a seguinte: ‘sento aqui’? E ela se senta desconfiada e
estranhamente incomodada. Então resolve dar um crédito para a moça, outra integrante
do staff de cabeleireiros do salão. Senta-se e entrega-se de cabeça (aqui no
sentido literal da coisa). O processo é o usual, divide-se o cabelo em mechas,
úmidos e limpos, e tendo-se o corte definido, começar com tesouradas suaves e
depois vigorosas, alternando a intensidade e a velocidade a fim de transformar
uma mulher comum em uma ‘super-hiper-ultra-mega-high’
mulher. Outra parte dessa transformação é a tintura (quer dizer, tinturas,
descolorações, mechas, permanentes, progressivas, relaxamentos, hidratações, e
etc, etc, etc). A tintura era o próximo
passo da sessão. A cor previamente
definida: mel. Fotos ilustrativas à mão e o espelho à frente. Mãos à obra.
Novas mechas, divisões nos cabelos, papelotes de alumínio, calor, touca,
espera. Incontáveis minutos de espera. Essa parte do processo é o que poderia
ser denominado eclipse: é uma conjunção de cores e a busca por uma perfeita
harmonização de tons, cujo resultado dever ser algo inesperadamente belo,
surpreendente e jamais visto por olhos humanos. Bem, isso na teoria... Na
prática a coisa não acontece exatamente assim. Ela sabia que de tempos em
tempos alguém deveria vir conferir se as cores, os tons, enfim, se tudo estava
ok, etc. Mas não. A aspirante a pretendente e aprendiz de cabeleireiro sequer
deu uma ajustadinha na touca. Resultado: um horror!
Um verdadeiro e horroroso espetáculo de mau gosto: ‘total eclipse on the hearth’! Os preciosos fios assumiram coloração alaranjada, dourada, amarelada e algumas nuances de marrons, mas nem de longe atingiram o tom cor de mel tão esperado, desejado, ansiado. Socorro! Ela quis gritar, em puro e justificado desespero. Mas disse: ‘o meu cabelo tá muito claro’! ‘Tá estranho’(...) ‘Tá laranja’! ‘Vai ficar assim, horroroso’??? E a resposta: 'Calma, vai dar tudo certo'. Depois do eclipse tudo voltará ao normal. Era noite. Ela aproveitou-se das sombras coniventes e seguiu anônima para a sua casa. A ideia era ir se deitar e dormir. Apagar e esquecer aquele pesadelo maluco. Não sem antes ouvir da filha: ‘seu cabelo ficou horrível mamãe’! e do marido: ‘nossa, ficou loira’?. Afffffffffff, melhor ir dormir logo pra acabar com essa tortura!
Fonte: http://www.checklisttur.com.br/citytour.php |
Um verdadeiro e horroroso espetáculo de mau gosto: ‘total eclipse on the hearth’! Os preciosos fios assumiram coloração alaranjada, dourada, amarelada e algumas nuances de marrons, mas nem de longe atingiram o tom cor de mel tão esperado, desejado, ansiado. Socorro! Ela quis gritar, em puro e justificado desespero. Mas disse: ‘o meu cabelo tá muito claro’! ‘Tá estranho’(...) ‘Tá laranja’! ‘Vai ficar assim, horroroso’??? E a resposta: 'Calma, vai dar tudo certo'. Depois do eclipse tudo voltará ao normal. Era noite. Ela aproveitou-se das sombras coniventes e seguiu anônima para a sua casa. A ideia era ir se deitar e dormir. Apagar e esquecer aquele pesadelo maluco. Não sem antes ouvir da filha: ‘seu cabelo ficou horrível mamãe’! e do marido: ‘nossa, ficou loira’?. Afffffffffff, melhor ir dormir logo pra acabar com essa tortura!
Amanhecer
O dia entrando pela janela e o
vento brincando com as cortinas. Ela se move ainda sonolenta, se espreguiça.
Abre os olhos bem devagar. Respira fundo e, ganhando consciência dos fatos,
pensa: ‘foi um pesadelo, foi um pesadelo’! Suspira. Devagarinho se levanta e
caminha na ponta dos pés. Vai em direção ao espelho. Tudo o que ela deseja é
que tudo aquilo não seja real. Tira as mãos dos olhos e... ‘Aaaaaarrrrrghhhhhhhhhhhh’!
‘que horror’! ‘pareço um mico leão dourado’! ‘Socooorroooooo’! E pensa desolada
que vai ter de levar a filha à escola, ir para a academia, fazer compras no
supermercado. Como conseguirá isso com aquele cabelo???? Céus!!!
Definitivamente quis encontrar uma touca de natação e finalmente sair de casa
livre dos olhares maldosos e risonhos. Livre?! Mas deu-se por vencida, saiu
assim mesmo. Convicta, entretanto de que na primeira farmácia estaria a solução
para os seus problemas. Aquela tintura nova, novíssima, daquela marca que não
agride os fios e na cor chocolate alegre, quente, sei lá; acho que claro, isso:
chocolate claro!
Fonte: http://www.bolsademulher.com/cabelos/cabelos-curtos-e-cacheados-seis-opcoes-de-corte/ |
Ao levar a filha à escola, com
seu maior óculos de sol e enrolada até as orelhas em um cachecol diz: ‘hoje
mamãe não vai descer, hoje você vai sozinha filhinha’... Espera a menina entrar
na escola e sai, alucinada, para a farmácia. Nem quer saber mais de academia.
Já em casa e mais próxima da solução, reinicia o processo. Divide o cabelo em
mechas, mistura a tintura, prepara tudo. O suplício de ter aquele cabelo
estranho e esquisito chegará ao fim. Ao final de tudo o resultado: uma tiara
dourada insiste em marcar o contorno da cabeça. Ah, se arrependimento matasse!
‘Nunca mais’ – ela jura a si mesma – ‘nunca mais aquela mulher irá tocar em um
único fio de cabelo meu’! Decidida volta à farmácia, sai de lá com nova
tintura, dessa vez henna escura – as
mulheres entenderão – então dá início a mais uma etapa na busca do cabelo
perfeito. Findo todo o trabalho o resultado: algo próximo de uma cor uniforme.
Sem abrir os cabelos, claro! Mas no geral, naquela olhada assim por cima, tinha
ficado bom. Ao menos não precisaria mais dos óculos que escondiam o rosto e nem
do cachecol debaixo daquele sol do saara
que ardia lá fora.
Desfecho
Uma saga é uma saga. E uma saga
como a descrita acima não é para qualquer mulher. É somente para aquelas que
têm a força e a energia revigoradas quando cortam os cabelos. Ou quando querem
mudar o mundo à sua volta quando mudam o estilo de suas madeixas. Né?
By M@ribLue
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